MANEJO SUSTENTÁVEL DO PIRARUCU REDUZ DESIGUALDADE DE GÊNERO NA AMAZÔNIA

Mulheres trabalham na evisceração do pirarucu de manejo sustentável. Foto Carolina Freitas

Estudo em 54 comunidades mostrou que mulheres passaram a ser valorizadas no setor da pesca – 30.10.2020 – Por Renata Monti

Um estudo coordenado pela PhD Carolina Freitas, da Universidade Federal do Rio Grande do Norte, mostra como o manejo sustentável do pirarucu transformou-se em ferramenta de empoderamento feminino para as comunidades da Amazônia. Por meio de entrevistas com 143 mulheres que vivem em 54 regiões pesqueiras ao longo do Rio Juruá, a equipe de Freitas descobriu que as mulheres que atuam com o manejo do pirarucu ganhavam uma renda média anual de R$ 1.075, enquanto que as que vivem em locais sem o sistema não têm nenhuma renda, embora pratiquem a pesca há muito tempo.

O que acontece é que na pescaria convencional, as mulheres se envolvem na atividade, mas a renda toda se concentra nas mãos de seus maridos. Já no manejo do pirarucu as mulheres pescadoras, além de receber renda pela primeira vez, também participam das tomadas de decisão, aumentando sua condição de liderança nas comunidades.

A manejadora Irlene das Graças Cunha, da comunidade de São Raimundo, trabalha no processamento dos peixes, após a pesca. O trabalho árduo consiste em eviscerar (retirar as vísceras) milhares de quilos de pirarucu – que podem chegar até 3 metros de comprimento e 180 quilos – para colocá-los no gelo e enviá-los aos mercados. Antes da implementação do manejo coletivo, Irlene fazia agricultura de subsistência e não tinha renda.

“Essa alegria de ter seu próprio dinheiro e decidir sozinha como você vai usá-lo é muito gratificante e aumenta a liberdade das mulheres”, acredita Irlene.

Quilvilene e Ozangela Cunha trabalham no registro e evisceração dos peixes. Foto José Lima

Sua filha, Quilvilene Cunha, de 26 anos, trabalha com o registro dos peixes, coletando informações como comprimento, sexo, estágio da ova, hora em que foi capturado e hora em que foi para o gelo. Além da renda, ela destaca a coletividade como o grande trunfo para a conservação da Floresta.

“O ganho financeiro é importante, mas o ganho maior é para o meio ambiente. A pesca acontece uma vez por ano, mas a comunidade faz a vigilância dos lagos o ano todo, para evitar a ação de invasores. Isso não só protege o pirarucu, mas todos os seres vivos que moram nessas áreas protegidas”, explica Quilvilene.

De acordo com a líder da pesquisa, a atividade também mudou a percepção das mulheres para as comunidades.

“Elas passaram a ser vistas como membros importantes para a pesca. Uma vez que esse empoderamento comece a acontecer em qualquer atividade, naturalmente afetará o empoderamento das mulheres como um todo – em seu dia a dia, em sua casa, em sua comunidade”, diz Carolina.

A melhoria da qualidade de vida dessas comunidades é destacada pelo pesquisador João Campos Silva, do Instituto Juruá.

“Além de todos os benefícios ecológicos, o manejo comunitário do pirarucu surge como uma grande ferramenta de transformação social, contribuindo enormemente com a melhoria da qualidade de vida local. Este trabalho mostra que o manejo do pirarucu vem contribuindo de forma substancial com o empoderamento das mulheres, o que pode ser uma fonte de inspiração para outras cadeias produtivas na Amazônia toda”, explica João.

Com 20 anos da pesca coletiva controlada, a atividade configura-se como um extraordinário caso de conservação da Floresta amazônica. A partir da vigilância de lagos e rios por comunidades indígenas e ribeirinhas, o pirarucu consegue se desenvolver até atingir o peso e tamanho recomendados pelo Ibama, e é extraído nos meses de Setembro a Novembro, seguindo os limites da cota anual. Além de retirar o pirarucu da lista de animais ameaçados de extinção, o manejo promove a soberania alimentar e renda às comunidades envolvidas no processo.