Dirigido por Carolina Fernandes, “Pirarucu – o respiro da Amazônia” foi selecionado para o Pasadena International Film Festival e para o Panda Awards, entre outras competições do gênero
“Pirarucu era um índio que, de tão malvado, Tupã transformou em peixe”, informa o mais recente documentário da paulistana Carolina Fernandes logo nos primeiros minutos. “Hoje o pirarucu é um instrumento de transformação da floresta e dos seus povos”. Falamos de “Pirarucu – o respiro da Amazônia”, obra que tem ganhado projeção internacional. O documentário, que se debruça sobre o manejo sustentável desse peixe na maior floresta do mundo, foi selecionado pelo Pasadena International Film Festival, pelo Berlim Shorts Award, pelo Sondrio Festival e pelo Panda Awards, entre outras competições do gênero.
A obra é fruto, para começo de conversa, do olhar de Carolina para a Amazônia, onde ela se estabeleceu há mais de quinze anos e vem filmando desde então. Roteirista, diretora e produtora, ela atuou como pesquisadora de “Somos Guardiões”, dirigido por Edivan Guajajara, Chelsea Greene e Rob Grobman — o documentário foi eleito pelo público da 47° Mostra Internacional de Cinema de São Paulo como o melhor do festival. Carolina também foi diretora assistente dos filmes “A Última Floresta” e “Ex-Pajé”, premiado em dois festivais que dispensam apresentações, o de Berlim e o “É Tudo Verdade”.
Ela resolveu se debruçar sobre o manejo sustentável do pirarucu na região a pedido das famílias que se dedicam a ele. Elas sentiam falta de um registro mais profissional da pesca deste que é considerado o maior peixe de escamas de água doce – ele chega a três metros e 200 quilos. Carolina se encantou pelo manejo do pirarucu na região do Médio Juruá ao descobrir que a pesca, por determinação do Ibama, só é feita uma vez por ano. E que a quantidade de peixes que podem ser retirados da água varia ano a ano, conforme a disponibilidade – tudo para garantir a preservação da espécie, que, na década de 1990, correu risco de extinção.
“O documentário traz um exemplo que pode ajudar outras comunidades amazônicas”, diz a cineasta, que também dirigiu e escreveu o curta “Simplicity”, incluído no 20° Festival Internacional de Curtas-Metragens de São Paulo. “O que mais chama atenção é a união de conhecimentos tradicionais com a ciência a favor da preservação da floresta e da realidade de comunidades afastadas”. É como diz João Vitor Campos, presidente do Instituto Juruá, no documentário dela: “O manejo do pirarucu é uma iniciativa das comunidades locais em parceria com o conhecimento técnico-científico. Vem produzindo um resultado fantástico tanto na esfera social como na esfera ecológica”.
Atualmente, a pesca sustentável do pirarucu contribui com a conservação de mais de 11 milhões de hectares da Amazônia. Ele garante, afinal, o sustento de diversas comunidades ribeirinhas e indígenas. O chamado Coletivo do Pirarucu reúne mais de 200 delas. A entidade é um dos principais pilares da marca Gosto da Amazônia, que tem ajudado a popularizar a versão selvagem do pescado Brasil afora. Criada em 2019, a marca é uma iniciativa de diversas entidades como o Serviço Florestal Norte-americano, o ICMBio, a Associação dos Produtores Rurais de Carauari (ASPROC), o Instituto de Desenvolvimento Sustentável Mamirauá (IDSM) e o Sindicato de Bares e Restaurantes do Rio de Janeiro (SindRio).
“Para a coordenadora de comercialização da ASPROC, Ana Alice, o documentário traz uma oportunidade para muitas pessoas se envolverem em uma realidade única. “O documentário oferece uma visão autêntica e profunda da vida na Amazônia, permitindo que aqueles que estão distantes tenham uma conexão mais íntima com as comunidades ribeirinhas, e saibam como os extrativistas estão se organizam para potencializar o manejo e promover a economia local”. Para Ana Alice, essa “é uma chance de mostrar ao mundo os desafios, as conquistas e a beleza que fazem parte do cotidiano da Amazônia, além de fortalecer a valorização da cultura, das tradições locais e do trabalho dos extrativistas”.
Mais de 250 restaurantes viraram clientes do Gosto da Amazônia. Um dos maiores compradores é a rede NB Steak, criada pelo gaúcho Arri Coser. Com unidades em Manaus e São Paulo, o Banzeiro, do chef Felipe Schaedler, serve o pescado na brasa gratinado com queijo meia cura e escamas de banana, entre outras versões. No Gurumê, no Rio de Janeiro, o pirarucu chega à mesa em cubos com molho à base de suco de limão Taiti, leite de coco, azeite extravirgem, manga, tomate cereja e cebola roxa.
A marca deu origem a um festival gastronômico com edições no Rio de Janeiro, São Paulo e Minas Gerais, entre outros estados. O arranjo comercial da marca, liderado pela ASPROC, paga aos manejadores cerca de 60% a mais pelo peixe, em média, do que os frigoríficos da região amazônica. No ano passado, 100 toneladas foram vendidas no país. O impacto da pesca sustentável no dia a dia das comunidades responsáveis por ela é inegável. Localizada no município de Carauari, no Amazonas – mais exatamente na Reserva Extrativista do Médio Juruá –, a Comunidade de São Raimundo só tinha energia elétrica duas horas por dia até meados de 2022. Agora, a comunidade dispõe de paineis solares fotovoltaicos que garantem energia elétrica o dia todo. Foram custeados com a venda do pirarucu.