Instituições integrantes do Coletivo do Pirarucu sugerem iniciativas para mitigação dos impactos
Dos dez grupos participantes do arranjo comercial do Gosto da Amazônia, liderado pela Associação dos Produtores Rurais de Carauari (ASPROC) em Unidades de Conservação e Acordo de Pesca localizada no município de Carauari (AM), apenas cinco iniciaram a pesca devido a dificuldades logísticas causadas pela seca extrema no Amazonas.
As organizações comunitárias envolvidas na cadeia do pirarucu pedem que o poder público tome medidas imediatas para atenuar esse sofrimento das famílias manejadoras e que dialogue com as organizações comunitárias para construção imediata de um plano emergencial de adaptação a mudanças climáticas extremas como a seca em curso.
Em agosto de 2024, técnicos do Instituto Mamirauá, parceiro da ASPROC, elaboraram o documento “Carta com Recomendações para Mitigação dos Impactos das Estiagens Severas em Comunidades Ribeirinhas do Amazonas”.
O documento foi entregue ao vice-governador do Amazonas, Tadeu de Souza, durante visita à Reserva Mamirauá, com sugestões que incluem o mapeamento das comunidades em risco de isolamento, a ampliação da comunicação via internet para áreas vulneráveis e o aumento da rede de estações de monitoramento do nível do rio. Também foi proposta a criação de um Fundo de Ações Emergenciais e a inclusão de instituições e pesquisadores do interior no Comitê Técnico Científico sobre Mudanças Climáticas.
Ana Cláudia Torres, coordenadora do Programa de Manejo Florestal Comunitário do Instituto Mamirauá, relatou os principais desafios enfrentados pelos grupos durante a estiagem. O manejo do pirarucu ocorre entre agosto e novembro anualmente. “O aumento no custo dos insumos está impactando a cadeia produtiva do pirarucu e outras atividades. O preço dos insumos nas sedes dos municípios e nas comunidades está muito alto devido ao aumento do frete e ao maior tempo de deslocamento”, explicou.
Carta aberta
O Coletivo do Pirarucu também enviou uma carta aberta em 28 de outubro aos ministérios do Meio Ambiente e Mudança do Clima, da Pesca e Aquicultura, e ao Ibama e suas superintendências regionais, pedindo ações urgentes para mitigar os prejuízos causados pela forte estiagem.
“Essa crise não apenas desafia a resiliência das comunidades, mas também evidencia a urgência de estratégias de adaptação e mitigação das mudanças climáticas para garantir o bem-estar e a dignidade das gerações atuais e a sobrevivência das gerações futuras”, diz trecho da carta.
- O prazo de pesca do pirarucu e do aruanã seja prorrogado até 31 de janeiro de 2025 e que também haja a extensão do prazo para entrega do relatório técnico anual do manejo até 1º de maio de 2025;
- O manejo do pirarucu seja incluído nos programas de seguro rural do Plano Safra;
- Ações emergenciais para os pescadores afetados, incluindo auxílio extraordinário;
- Um plano de emergência climática seja construído em parceria com as lideranças, organizações manejadoras e de apoio técnico para mitigar os efeitos dos eventos climáticos extremos na Amazônia.
Impacto na logística
As mercadorias, que antes chegavam diretamente ao porto, agora precisam ser transportadas por canoas ou pequenas embarcações, muitas vezes exigindo até três fretes adicionais, o que eleva significativamente os custos, segundo a coordenadora.
A seca tem causado sérios impactos no transporte das embarcações no Médio Juruá, conforme Eude Santiago, coordenador de produção da ASPROC. Ele explica que passagens anteriormente navegáveis por embarcações de pequeno porte agora estão secas, especialmente em áreas com pedras. Além disso, onde há maior concentração de peixes, embarcações maiores não conseguem acessar os locais.
A seca também afetou o acesso aos lagos e forçou o adiamento de viagens de embarcações com destino a Manaus, dificultando o alinhamento entre a chegada de barcos das comunidades e a saída das embarcações que transportam o pirarucu. “Os barcos que trazem o peixe das comunidades precisam esperar dias para transferir o pescado para as embarcações que o levam aos frigoríficos em Manacapuru”, relatou Santiago.
O aumento no tempo de espera e deslocamento elevou os custos de operação. Um cliente que antes pagava 0,50 centavos por quilo de transporte agora precisa desembolsar 0,70 centavos, sem contar o aumento no consumo de gelo, impactando as despesas em até 40%.
Riscos
Outro agravante é o risco à navegação. Em 2023, um barco que transportava pirarucu naufragou, e a escassez de embarcações para frete tem aumentado, pois muitos proprietários evitam navegar devido aos riscos associados aos baixos níveis dos rios.
Raimundo Cunha, gerente do ferry boat Dona Val, tem documentado as dificuldades de navegação nos rios da Amazônia em vídeos nas redes sociais. Em um dos vídeos, ele demonstra a prática de medir a profundidade dos rios Juruá e Solimões usando canos de PVC conectados e marcados com fita adesiva. “Saímos com um bote e medimos para ver a ‘fundura’ por onde o barco pode passar, buscando o melhor caminho”, explicou.
A embarcação, que faz a linha Manaus-Carauari com escala em Juruá, encalhou em uma viagem recente. “Conseguimos passar pelo Solimões, mas encalhamos em uma passagem crítica, tentamos redistribuir a carga no barco para ver como seguir viagem, mas não adiantou”, contou Cunha, explicando que, em casos de encalhe, a única saída é aguardar o resgate.
Como a autorização de pesca emitida pelo Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (IBAMA) vale de agosto a novembro, é incerto se os manejadores conseguirão fazer a pesca do pirarucu até o período programado.
Outra questão que tem gerado certa insegurança é a velocidade da enchente. A seca além de extrema, foi muito rápida – o rio secou numa velocidade atípica, o que levou muitas embarcações a encalhar.
Texto: Fabíola Abess
Foto: Francisca Cunha/ Outubro de 2024