Vale do Javari realiza pela primeira vez o manejo sustentável do pirarucu selvagem

O jovem João Filho Kanamari, presidente da Copeaka, Coordenação de Proteção Etnoambiental e Desenvolvimento Sustentável Kanamari | Foto: Thiago Arruda (CTI)

Por: Renata Monty. Publicado em: 18.01.2024

A comunidade indígena Kanamari, localizada no Vale do Javari, a aproximadamente 1.300 km de Manaus, na fronteira com o Peru e a Colômbia, realizou pela primeira vez a pesca sustentável do pirarucu selvagem Gosto da Amazônia. Situado no interior do estado do Amazonas, o território do Vale do Javari tem 8,5 milhões de hectares e conta com uma população de aproximadamente 8 mil pessoas, divididas em cerca de 60 aldeias. De acordo com dados do Centro de Trabalho Indigenista (CTI), nesta região vivem os povos indígenas Marubo, Kanamari, Matses, Matis e Kulina-Pano, além de diversas comunidades isoladas e de recente-contato.

Como explicou Kora Claro, coordenador da Cooperativa de Pesca do Vale do Javari, o manejo do pirarucu vem sendo discutido desde 2017 como uma alternativa de renda e proteção do território, um dos mais ameaçados na região. A atividade do manejo, já realizada por outras 200 comunidades amazônicas integrantes do Coletivo Pirarucu, consiste na vigilância constante dos lagos onde o peixe habita, reverberando não só na proteção do pirarucu, mas também de outras espécies como o tambaqui, jacaré-açu, tartaruga, tracajá e peixe-boi. De acordo com o Instituto Mamirauá, em 20 anos de trabalho e monitoramento, a população de pirarucus aumentou em 400% e saiu da lista dos animais ameaçados de extinção.

Jovens da comunidade indígena Kanamari no primeiro manejo sustentável do pirarucu | Foto: Thiago Arruda (CTI)

O pirarucu selvagem é o maior peixe de escamas de água doce do mundo, originário da região da bacia Amazônica e pode chegar a três metros de comprimento e 200 quilos.

A pesca segue as seguintes regras: é realizada apenas no período da seca, entre setembro e novembro, respeitando o ciclo reprodutivo da espécie; somente podem ser pescados indivíduos acima de 1,5 metro, e o Ibama autoriza a pesca de apenas 30% da população adulta de pirarucu em cada lago em que ocorra o manejo – ou seja, garante o crescimento progressivo da população de peixes.

Mulheres locais são empoderadas participando do manejo do pirarucu selvagem | Foto: Thiago Arruda (CTI)

No aspecto social, o manejo garante renda para as populações locais, através do comércio justo desenvolvido pelo arranjo comercial e produtivo liderado pela ASPROC (Associação de Produtores de Carauari), responsável pela venda do produto para todo o Brasil. Também é feita a inclusão das mulheres no processo produtivo e as melhorias nas comunidades geradas com a renda oriunda da venda do pirarucu manejado.

Há três anos os Kanamari iniciaram a contagem dos animais em lagos naturais, uma técnica desenvolvida entre os locais com órgãos técnicos, para determinar a quantidade de animais adultos que podem ser pescados. Em 2023, conseguiram a primeira autorização do Ibama para a pesca experimental.

Evisceração do peixe no primeiro manejo sustentável do pirarucu | Foto: Thiago Arruda (CTI)

“A gente lutou muito para conseguir implementar o manejo aqui. A Funai estava enfraquecida nos últimos anos e pedimos o apoio do Centro de Trabalho Indigenista. Esse era o nosso sonho de fortalecer a nossa cultura e a proteção do nosso território e da biodiversidade. É muito importante para o nosso futuro”, destacou o jovem João Filho Kanamari, presidente da Copeaka, Coordenação de Proteção Etnoambiental e Desenvolvimento Sustentável Kanamari.

A expectativa inicial do grupo era cumprir a meta autorizada do Ibama de 251 pirarucus, mas diante da seca no Amazonas, o saldo total foi de 140 peixes.

“Embora tenhamos sido afetados pela seca, o resultado foi positivo, pois conseguimos realizar a pesca e a 1ª Feira de Pirarucu Manejado de Atalaia do Norte. O processo da pesca, em todas as suas etapas, também contribuiu para geração de renda e para a formação dos manejadores”, ressaltou Thiago Arruda, do Centro de Trabalho Indigenista.

Capacitação e apoio de políticas públicas são as metas para o futuro | Foto: Thiago Arruda (CTI)

Para o futuro, Thiago salienta que as comunidades irão trabalhar no acesso às políticas públicas para incrementar a infraestrutura e a formação dos manejadores, além de conseguir cumprir com as etapas básicas do manejo, como a vigilância dos lagos, a contagem do pirarucu e a pesca e comercialização.

Publicado em: 18.01.2024.